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A importância das relações on e off-line: entrevista com Camila Cury

23 março 2021 | Ensino

A pandemia de covid-19 transformou as nossas relações. Tendo que se adaptar à nova realidade envolvendo o ensino remoto e o ensino híbrido, pais, alunos e professores foram impactados de diferentes formas. Para entender melhor a importância de fortalecermos as relações humanas, dentro ou fora da escola, conversamos com a psicóloga Camila Cury, fundadora e CEO da Escola da Inteligência. Confira a entrevista na íntegra!

  1. Concorda que crianças e adolescentes estão sendo mais desafiados ao contato presencial na escola, após meses isolados em casa, convivendo com a família? Quais são os sinais de desconforto que pais e escola devem ficar atentos e por que?

Camila Cury – Sim! De maneira geral o que estamos percebendo é um desejo acentuado e uma grande felicidade das crianças e dos adolescentes em retomar as suas atividades escolares. No entanto, nos deparamos com variados comportamentos neste sentido, em especial para aqueles que estão experimentando uma nova rotina por meio da alternância entre os ambientes de casa e da escola. É essencial que os pais e professores compreendam que o longo tempo de isolamento, o contato apenas virtual com os amigos e a falta de uma rotina de convivência podem ainda refletir-se em mudanças de comportamentos e que fiquem atentos para melhor auxiliá-los a resolver tais questões. Diversas são as manifestações que podem ocorrer neste período: ansiedade acentuada ao deixar os pais em casa ou no portão da escola, alteração no apetite, irritabilidade, prostração, dificuldade em dormir ou sono exagerado, pesadelos com frequência, busca por falas, desenhos ou brincadeiras com temas mais angustiantes, como morte, abandono, agressão etc. Perceber estas alterações auxiliará na tomada de decisões sobre como resolvê-las, inclusive encaminhá-las a um atendimento psicológico caso julgue necessário.

  1. Depois de absorver as notícias da pandemia, as perdas na família e os avisos constantes para se protegerem, como ajudar a criança e o adolescente a ser confiante e viver sem neuras, sem medo de interagir socialmente?

Camila Cury – Sempre destacamos a importância da atenção da família, em especial dos pais, na condução de assuntos mais delicados junto aos filhos. Quando “nasce” uma criança, nasce igualmente um pai, mãe, avô, avó, tios etc., que estarão constantemente no processo de (auto)formação. Para ensinar os filhos a lidarem com os desafios da pandemia a família necessita aprender a lidar com a mesma. Ninguém pode dar o que não tem, para ensinar o outro é preciso que estes conhecimentos estejam bem elaborados em si. Para auxiliar as crianças e os adolescentes, é preciso que cada familiar analise como ele próprio está lidando com estes desafios.

  1. Qual a importância do aluno estar junto presencialmente com o professor e no ambiente escolar? Quais significados são criados?

Camila Cury – A convivência, as trocas, o compartilhar das emoções, os desafios cognitivos e emocionais das disciplinas e dos relacionamentos etc., continuam a demonstrar que a escola não é apenas um espaço de compartilhamento de conhecimentos acadêmicos, mas, muito mais que isso, é um espaço de formação. As competências e habilidades socioemocionais, como gestão da emoção, do pensamento, dos comportamentos, pensar antes de agir e reagir, trabalhar os medos, as perdas e as frustrações, resiliência, determinação etc., são alguns exemplos de conhecimentos que podem e devem ser trabalhados de maneira estruturada, planejada e reflexiva no ambiente escolar.

  1. De que maneira o ambiente on-line, em aulas e atividades escolares, pode ser benéfico para crianças e adolescentes?

Camila Cury – Apesar da evidente limitação nos relacionamentos, as aulas virtuais representam uma série de benefícios, e cada vez mais percebemos os colégios e professores empenhando-se para aprofundá-los e ampliá-los.

– Estudar onde quiser: a sala de aula, o quarto, o escritório, ou até mesmo debaixo de uma frondosa árvore… algo que pode ser um fator estimulador à aprendizagem.

– Os materiais e jogos são atualizados de maneira muito mais rápida, aprimorando os desafios aos alunos.

– A construção de projetos on-line, com construção síncrona ou assíncrona, onde o desafio, as dificuldades e potencialidades podem ser compartilhados e analisados coletivamente.

– Interatividade entre os pares.

-Interatividade com diferentes mídias ao mesmo tempo.

– As aulas podem ser gravadas e acessadas quantas vezes forem necessárias pelos alunos, o que pode representar um incentivo maior ao aluno em buscar se apropriar do conhecimento.

  1. Com o cenário de aulas on-line e encontros presenciais, como incentivar crianças e adolescentes tímidos, mais recolhidos em lugares de fala, a se expressarem?

Camila Cury – Muitos adolescentes têm relatado maior facilidade em usar os ambientes virtuais para se expressarem. O fato de não estarem em contato direto com os alunos da sala, segundo eles, auxilia a diminuir a pressão ao falar, o que resulta em aumento no rendimento e na disposição em participar das aulas, emitindo suas opiniões. O ambiente das telas, já tão comum às crianças e adolescentes, encontra-se mais próximo à linguagem que utilizam o que pode ser visto como fator motivador.

  1. O adolescente entra em uma turma nova com aulas on-line e presenciais. O que pais e escola podem fazer para ajudá-lo a se conectar com a turma?

Camila Cury – Um primeiro passo é a aproximação da família, para conhecer melhor este novo aluno que está iniciando suas atividades: conhecê-lo em suas características essenciais, suas fragilidades e potencialidades, pode auxiliar o professor a traçar estratégias para este primeiro momento de interação com a turma, quer seja este presencial ou remoto.

No que tange as ações da escola podemos destacar alguns cuidados como, usar estratégias que garantam a participação e acolhimento do novo aluno com seus pares, por exemplo, as dinâmicas de quebra-gelo tão importantes para a construção da empatia, dar abertura à troca de conhecimento sobre si e sobre os outros, compartilhar histórias de vida, conectar mundos emocionais, auxilia no estabelecimento e fortalecimento de relações interpessoais saudáveis, tanto no presencial quanto on-line.

  1. Como pais de crianças podem ajudá-las a ter autonomia e construir as próprias relações com outras pessoas?

Camila Cury – Diante desta situação de isolamento social é importante considerar que as crianças e adolescentes, de maneira geral, são fascinadas pelo ambiente virtual e este pode ser um ponto positivo para pais e professores quanto a estimulá-los à autonomia e relações interpessoais saudáveis. Para estimular a criança neste processo é importante ter clareza que muitas podem precisar de maiores estímulos e um investimento maior por parte dos familiares para desenvolver habilidades sociais, tais como empatia, resolução de problemas, cooperação, capacidade de comunicação etc. O ambiente familiar, por si só, é um treino para as relações que a criança estabelecerá posteriormente e, novamente, retomamos a importância dos pais e familiares elaborarem suas percepções, pensamentos e comportamentos para ensinarem seus filhos a elaborarem as próprias. Para o desenvolvimento da autonomia é necessário que os pais e familiares tenham clareza que esta habilidade não se faz ao deixar a criança livre ou atribuir-lhe muitas responsabilidades, mas é uma prática que exige a tomada de consciência e responsabilidade sobre o que ela irá fazer. O mesmo ocorre com as relações interpessoais, uma vez que o exemplo e a vivência com os familiares, com os limites e possibilidades desta relação, lhe auxiliarão a compreender como melhor se relacionar consigo, para melhor se relacionar com os outros.

  1. Vivemos um momento de transformação com tendência para uma economia mais colaborativa, pessoas exercitando mais a sua voz e buscando propósito. Como preparar crianças e adolescentes para se relacionar nesse mundo?

Camila Cury – Preparar crianças e adolescentes para um mundo tão dinâmico é um grande desafio. É imprescindível que a criança e o adolescente sejam conduzidos a perceber como conceitos como respeito, autovalorização, autoconfiança, empatia etc., precisam permear os relacionamentos e extrair desta percepção a compreensão do quanto crescemos quando auxiliamos e somos auxiliados a crescermos em quaisquer que sejam as áreas ou demandas que atuamos. É importante ressaltar que a educação financeira, aliada ao trabalho com as competências e habilidades socioemocionais, trabalhadas na escola e em casa, deve se constituir em um importante pilar de sustentação para o trabalho com esta nova economia colaborativa.

Leve a Escola da Inteligência para a sua escola e tenha o programa que forma crianças e jovens emocionalmente saudáveis para os desafios da vida!

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